
Nuno de Miranda – Gente da Ilha (Contos) – Agência Geral do Ultramar – Lisboa – 1961.Desc.(91)Pág.B

Nuno Miranda – Poeta cabo-verdiano, Nuno Alvares Miranda nascido a 23 de outubro de 1924, no Mindelo, S. Vicente, em Cabo Verde, evidencia-se no panorama literário cabo-verdiano através da revista Certeza (1944) – projeto literário social e ideológico de relevo, que este autor depois renegaria, partindo para uma poesia muito própria, escrita e sentida longe de Cabo Verde (em Lisboa). Na sua poesia pode constatar-se a curiosa existência de duas formas ambientais, dois cenários, dois meios,afastados entre si por diversos pormenores (pessoais e gerais), ligados apenas pela mão de um poeta que, mesmo estando numa grande cidade, sentia e pensava como um insulado, um ilhéu. Assim, como cabo-verdiano que é e nunca conseguiu deixar de ser, o poeta sente o clima físico da ilha e sente-o (em toda a sua envolvência: clima, mar, isolamento) num cenário completamente oposto: Lisboa. Ao longo de toda a sua poesia pode ver-se espelhado um conjunto de antagonismos existentes e sentidos entre a grande urbe e a ilha onde o poeta nasceu: poemas dedicados ao contraste entre a proximidade (íntima, mesmo) da gente que conversa à porta depois do jantar – hábito tão crioulo, tão cabo-verdiano – com a frieza e a distância do homem citadino; poemas dedicados ao tempo da ilha e ao tempo da cidade, revelando, sentidamente, como o tempo largo, lento, espaçado de Cabo Verde se opõe ao tempo “esvoaçante”, quase incontrolável, típico da cidade; a dimensão próxima, doméstica, carinhosa da vida na ilha, que se opõe, em pleno, à sensação de abstração, de fluidez, de indiferença das grandes cidades. Extremamente angustiado na solidão perante uma realidade absoluta, Nuno Miranda revela que é o cabo-verdiano que respira nos seus versos. Assim, a poesia de Nuno Miranda, poeta absolutamente deslocado do seu meio natal, afastado, portanto, do verdadeiro pensamento de um homem crioulo, faz contrastar os espaços físicos e o desfasamento entre o ritmo e clima telúricos e o ritmo “mecânico” das cidades continentais. Deste modo, Nuno Miranda apresenta-se neste cenário literário como a voz de uma poesia que tem em si um compromisso real marcado: um homem, cujo espaço poético não se pode desmarcar de um espaço determinado, concreto e, realmente, delimitado, deve aceitar que o homem cabo-verdiano é um ser insulado, independentemente das características físicas do meio em que vive.