José Saramago – As Intermitências da Morte – Caminho – Lisboa – 2005. Desc. 214 pág / 21 cm x 14 cm / Br. «1.ª Edição»
As Intermitências da Morte é um livro do escritor português José Saramago publicado em 2005. Sua frase inicial “No dia seguinte ninguém morreu” é ponto de partida para ampla divagação sobre a vida, a morte, o amor e o sentido, ou a falta dele, da nossa existência. Fiel ao seu estilo e ainda mais sarcástico e irónico, Saramago vai além de reflexões existenciais, fazendo uma dura crítica a sociedade moderna (o país da obra é fictício) ao relatar as reacções da Igreja, do Governo, do Clero, dos repórteres, dos filósofos, dos economistas, das funerárias, casas de pensão, hospitais, seguradoras, das famílias com um moribundo em casa, da máphia, etc. Pode-se dividir a obra em três partes. A primeira é a intermitência da morte, uma visão panorâmica dos fatos a partir do dia 1º de Janeiro, quando ninguém mais morreu naquele país. Aqui são abordados os paradoxos da ausência da morte, conflitos, discussões e soluções para o problema dos que não morrem nem podem voltar a viver, os moribundos.No sétimo capítulo há uma carta encaminhada pela morte a uma emissora de televisão, para que seja levada a público a notícia de seu retorno. Contudo, o retorno dar-se-á sob novas regras: “a partir da meia-noite de hoje se voltará a morrer tal como sucedia, sem protestos notórios (…) ofereci uma pequena amostra do que para eles seria viver para sempre (…) a partir de agora toda a gente passará a ser prevenida por igual e terá um prazo de uma semana para pôr em dia o que ainda lhe resta na vida”. Para cada um a quem estivesse a chegar a temida hora da partida sem volta, o tal prazo de sete dias seria precedido pelo recebimento de uma carta, de autoria da morte, anunciando-lhe a “rescisão deste contrato temporário a que chamamos vida”. Este novo sistema de anunciação e a reacção das pessoas – também calamitoso – tomará os próximos três capítulos. No décimo capítulo, uma dessas cartas – que deveria ser recebida por um violoncelista – é devolvida à remetente (tal como o pode ocorrer em autênticas correspondências postais), e a partir daí há uma narração mais clássica com personagens (a morte e o músico), espaço e conflitos bem definidos. Nesta parte a morte é humanizada, para muitos o ponto alto do livro. Gabriel Perisséu, escritor e crítico, afirma que “importa saborear a sabedoria com que o autor aborda a personificação da morte e a necessidade que esta sente (feminina ela se apresenta) de ser amada”.
José Saramago – Ensaio Sobre a Lucidez – Caminho – Lisboa – 2004. Desc. 239 pág / 21 cm x 13,5 cm / Br. «1.ª Edição»
Ensaio sobre a lucidez é um romance de José Saramago editado em 2004. O romance faz par com Ensaio Sobre a Cegueira e Saramago não esconde sua intenção alegórica, fazendo o jogo de claro-escuro penetrar em impasses contemporâneos. Num país qualquer, num dia chuvoso, poucos eleitores compareceram para votar, durante a manhã. As autoridades eleitorais, preocupadas, chegaram a supor que haveria uma abstenção gigantesca. À tarde, quase no encerramento da votação, centenas de milhares de eleitores compareceram aos locais de votação. Formaram-se filas quilométricos, e tudo pareceu normal. Mas, para desespero das autoridades eleitorais, houve quase setenta por cento de votos em branco. Uma catástrofe. Evidentemente que as instituições, partidos políticos e autoridades, haviam perdido a credibilidade da população. O voto em branco fora uma manifestação inocente, um desabafo, a indignação pelo descalabro praticado por políticos pertencentes aos partidos da direita, da esquerda e do meio. Políticos de partidos diferentes, mas de actuações iguais, usufruindo de privilégios que afrontavam a população. Os eleitores estavam cansados, revoltados. Os governantes, sentindo-se ameaçados, trataram de agir em nome da ordem, perseguindo, prendendo, maltratando, eliminando. Alguns que viveram os horrores da cegueira branca, novamente sofreram. Os governantes, preocupados em salvar a própria pele, em garantir o poder, não perceberam que a cegueira branca de outrora, demonstrativo de que há muito o homem estava cego, tinham paralelo com o voto branco de agora, indicativo de que a população não perdera a lucidez. Estranhamente, não houve uma mobilização para o facto. A partir daqui desenvolve-se a trama do livro: o governo e as autoridades deixam a cidade entregue a si própria, abandonando-a e isolando-a. Acabarão por entrar em cena os mesmos personagens da obra Ensaio sobre a cegueira, pelo que se aconselha o leitor a fazer uma leitura desta obra antes de proceder à leitura de Ensaio sobre a Lucidez. Neste livro, Saramago desenvolve uma crítica mordaz às instituições do poder político: sob a democracia podem estar vectores de natureza autoritária – lúcido é quem os enxerga. Nas eleições legislativas de 2005 em Portugal, algumas organizações apelaram ao voto em branco, aparentemente na sequência da ideia de Saramago.