A Argonáutica

A Argonáutica  «€12.00»
A Argonáutica «€12.00»

Apolónio de Rodes – A Argonáutico – Publicações – Europa- América – Lisboa – 1989. Desc. 183 pág / 21 cm x 14 cm / Br.

 

As notícias sobre a vida da Apolónio são escassas e, por vezes, contraditórias, com poucos dados considerados seguros: o seu nascimento no Egipto, talvez em Alexandria, nos primeiros anos do séc. III AC.; o exílio em Rodes, mas não se sabe se voluntário ou forçado: a tradição explica-o pelo insucesso de uma primeira leitura da “Argonautika” mas outras fontes referem o regresso triunfal de Rodes a Alexandria, obtendo até a direcção da famosa biblioteca. Julga-se que, para além de poeta, Apolónio se tenha exercitado como filólogo e, sendo assim, ter-se-á debruçado seguramente sobre os textos de Homero, participando no debate que suscitaram na época. De resto, na sua obra Apolónio reutiliza a linguagem homérica mas tal circunstância deve entender-se como autónoma função expressiva do texto “moderno”. A transformação da epopeia «De ti seja o início, Febo, para que eu recorde a gesta / dos heróis antigos que…/ guiaram Argos, a sólida nave, ao velocino de ouro» (I, 1-4). Assim começa solenemente o poema de Apolónio e o proémio produz de imediato a enunciação do tema: de forma concisa alude à viagem de Jasão, à sua causa, ao meio utilizado. Tendo reconhecido em Jasão a ameaça ao seu poder, Pélias encarregou o herói de empresa perigosa: recuperar o tosão de ouro do mágico carneiro que tinha sido sacrificado a Zeus, trazendo-o da Cólquida, no extremo Leste, próximo de Ponto, actual Mar Negro, para a Grécia. O projecto, como se vê, não pertence aos Argonautas, é-lhes imposto pelo rei da Tessália («Manda-me um deus e o feroz comando de um rei soberbo», III,390). Na perspectiva omnisciente do narrador, a vontade de Pélias é conotada por subtil ironia, porque a sua ruína será causada precisamente como consequência da viagem de Jasão: matá-lo-á Medeia, cumprindo a vingança de Hera, que o rei tinha transcurado nos sacrifícios (segundo um antigo motivo folclórico). Ao contrário da “Odisseia”, com o herói longe da sua pátria, percorrendo as difíceis etapas até reencontrá-la, no poema de Apolónio a viagem é circular, porque o grande ideal que a justifica, na consciência dos argonautas, é o do regresso. Por outro lado, à virtude bélica tradicional, Jasão contrapõe um outro valor: a retórica, instrumento capaz de encontrar mediações e de evitar, mais do que resolver, os diversos conflitos. Na empresa de apoderar-se do tosão de ouro, Jasão é ajudado por Medeia; e quando os dois celebram as bodas apressadas e constrangidas pela presença hostil dos Cólquidos, vivem uma situação emblemática e ontologicamente reflexiva: «Nós, estirpe infeliz dos homens, não podemos entrar / na alegria com pé seguro; sempre a dor amarga/ se instaura no meio dos momentos do nosso prazer» (IV, 1165-1167). Por isso, na sua complexidade e expansão textual (quatro “livros”, 5 836 versos), no modo de compor as figuras, Jasão representa a criação de um poeta com uma visão do homem e do mundo seguramente pessimista mas, ao mesmo tempo, seguindo uma posição laica da causalidade épica: um desejo de interpenetração entre o mundo nostálgico dos heróis e o mundo contemporâneo dos estudiosos, formando um conjunto coerente de todos os dados do real e da tradição literária. Assistimos, sem dúvida, à transformação da epopeia, esvaziando-a do conteúdo habitual para lhe inserir material novo, uma vida nova.