Maurice Sandoz – Recordações Fantásticas e Três Histórias Singulares «Ilustrações de Salvador Dalí» – Editorial Organizações, Lda – Lisboa – 1955. Desc. 216 Pagi + 7 Gravuras / 24 cm x 17c m / Brochado
Maurice Sandoz, filho do fundador da famosa empresa farmacêutica homónima, suicidou-se em 1958 aos 66 anos, em Lausanne, a pouco mais de 100 quilómetros da sua cidade natal, Basileia. Apesar desta aparentestasis geográfica, Sandoz foi um viajante compulsivo, além de demonstrar talento na química e na música. Mas foi como escritor no género fantástico que o seu nome ganhou notoriedade, para a qual as colaborações de Salvador Dali na ilustração de alguns dos seus livros terão tido certamente papel de grande relevo. Hoje em dia, o nome de Sandoz está no orgulhoso panteão dos escritores esquecidos, e são precisamente os desenhos de Dali que poderão atrair a ele leitores incautos.Acontece que Sandoz teve três livros seus publicados em Portugal, todos pela mesma editora, uma certa Editorial Organizações: O Labirinto (1954), Recordações Fantásticas e Três Histórias Singulares (1957) e O Limite (1957). O Labirinto tinha sido adaptado ao cinema por William Cameron Menzies (o grande director de arte de Gone With the Wind e realizador do clássico de Ficção Científica Invaders from Mars) um ano antes da primeira edição portuguesa, mas terá sido certamente a ligação de Salvador Dali (então no auge da sua fama americana) com estes textos a determinar e a justificar a sua tradução e publicação. De resto, nada, nem um prefácio, nem uma introdução nestas edições nacionais nos informa sobre esse súbito interesse em Sandoz, que se esfumou de seguida e até hoje.Apesar da impressão em “papel especial, de fabrico português” (o que permitiu imprimir texto e imagens no mesmo papel, abolindo assim a diferença táctil entre texto e extra-texto), a reprodução das capas que Dali tinha feito para as edições originais americanas da Doubleday (Prova A, B e C), com a sua tipografia desenhada e minuciosamente interligada com o desenho, foi uma impossibilidade óbvia (apenas a edição de O Limite ostenta, e apenas na página contígua à folha de rosto, a parte superior da ilustração de capa da edição americana de On The Verge, de 1950, devido à separação do bloco tipográfico). Estas edições portuguesas carecem assim do impacto flamejante das capas americanas, mas isso são significa propriamente uma perda: o excesso visual dessas capas não condiz, de facto, com o estilo sereno, coloquial, intimista do autor, um herdeiro sofisticado e levemente irónico das histórias de fantasmas de século XIX, muitas delas situadas nas pacatas vilas e cidades suíças (como “A Aparição”, história de Recordações Fantásticas, em que o narrador se cruza com o fantasma de Goethe em Zurique). Alguns dos desenhos de Recordações Fantásticas, ainda assim, a tinta-da-china e plenos de contrastes, parecem-me perfeitos no tom de inquietação que acrescentam aos textos, sobretudo a cabeça cortada que ilustra “Um crime ao retardador”, a mão peluda que ilustra o conto homónimo (um dos melhores deste livro) ou a fabulosa múmia para o conto “A Recordação de Hammam Meskoutine”.