Rui Vieira Nery – Para Uma História do Fado «Fado 100 Anos» – Publico, Comunicação Social, SA / Corda Seca, Edições de Arte, SA – Lisboa – 2004. Desc. 301 pág / 27 cm x 21 cm / Br. Ilust.
O fado é um estilo musical português. Geralmente é cantado por uma só pessoa (fadista) e acompanhado por guitarra clássica (nos meios fadistas denominada viola) e guitarra portuguesa. O fado foi elevado à categoria de Património Oral e Imaterial da Humanidade pela UNESCO numa declaração aprovada no VI Comité Inter-governamental desta organização internacional, realizado em Bali, na Indonésia, entre 22 e 29 de Novembro de 2011. A palavra fado vem do latim fatum, ou seja, “destino”, é a mesma palavra que deu origem às palavras fada, fadario, e “correr o fado”. Uma explicação popular para a origem do fado de Lisboa remete para os cânticos dos Mouros, que permaneceram no bairro da Mouraria, na cidade de Lisboa após a reconquista Cristã. A dolência e a melancolia, tão comuns no Fado, teriam sido herdadas daqueles cantos. No entanto, tal explicação é ingénua de uma perspectiva etnomusicológica. Não existem registos do fado até ao início do século XIX, nem era conhecido no Algarve, último reduto dos árabes em Portugal, nem na Andaluzia onde os árabes permaneceram até aos finais do século XV. “Na Irlanda, o cantor ou vate tinha o nome de Faith, e no tempo de Francisco I, Fatista era o compositor «de jeux et novalistés » em que se vê a transição para a forma dramática, e a importância que merece entre nós o nome de Fadista dado ao cantor popular.” Uma outra origem é do escandinavo “fata”, que significa vestir, compor, que teria dado origem, segundo outra teoria, no francês antigo ao termo “fatiste” que significa poeta.”Assim podemos ver que o fado é uma degeneração da xacara, que pelas transformações sociais, veio a substituir a canção de gesta da idade média”. Numa outra teoria, também não completamente provada, a origem do fado parece despontar da imensa popularidade nos séculos XVIII e XIX da Modinha, e da sua síntese popular com outros géneros afins, como o Lundu que por sua vez tem origem em danças angolanas com o Kaduke de Mbaka, posteriormente uma das mais populares danças praticadas em Luanda com o nome de masemba . No essencial, a origem do fado é ainda desconhecida, mas certo é, que surge no rico caldo de culturas presentes em Lisboa, sendo por isso uma canção urbana. No entanto o fado só passou a ser conhecido depois de 1840, nas ruas de Lisboa. Nessa época só o fado do marinheiro era conhecido, e era, tal como as cantigas de levantar ferro as cantigas das fainas, ou a cantiga do degredado, cantado pelos marinheiros na proa do navio. O fado mais antigo é o fado do marinheiro, e é este fado que vai se tornar o modelo de todos os outros géneros de fado que mais tarde surgiriam como o fado corrido que surgiu a seguir e depois deste o fado da cotovia. E com o fado surgiram os fadistas, com os seus modos característicos de se vestirem, as suas atitudes não convencionais, desafiadoras por vezes, que se viam em frequentes contendas com grupos rivais. Um fadista, ou faia, de 1840 seria reconhecido pela sua maneira de trajar: ” Usava boné de oleado com tampo largo, e pala de polimento, ou boné direito do feitio dos guardas municipais, com fita preta formando laço ao lado e pala de polimento; jaqueta de ganga ou jaqueta com alamares.” ” O seu penteado[]consistia em trazer o cabelo cortado de meia cabeça para trás, mas comprido para diante, de maneira que formasse melenas ou belezas, empastadas sobre a testa.” Na primeira metade do século XX, já em Portugal, o fado foi adquirindo grande riqueza melódica e complexidade rítmica, tornando-se mais literário e mais artístico. Os versos populares são substituídos por versos elaborados e começam a ouvir-se as décimas, as quintilhas, as sextilhas, os alexandrinos e os decassílabos. Durante as décadas de 30 e 40, o cinema, o teatro e a rádio vão projectar esta canção para o grande público, tornando-a de alguma forma mais comercial. A figura do fadista nasce como artista. Esta foi a época de ouro do fado onde os tocadores, cantadores saem das vielas e recantos escondidos para brilharem nos palcos do teatro, nas luzes do cinema, para serem ouvidos na rádio ou em discos. Surgem então as Casas de Fado e com elas o lançamento do artista de fado profissional. Para se poder cantar nestas Casas era necessário carteira profissional e um repertório visado pela Comissão de Censura, bem como, um estilo próprio e boa aparência. As casas proporcionavam também um ambiente de convívio e o aparecimento de letristas, compositores e intérpretes. Já em meados do século XX o fado iniciou sua conquista pelo mundo, tornando-se muito famoso também fora de Portugal. Os artistas que cantam o fado trajavam de negro. É no silêncio da noite, com o mistério que a envolve, que se deve ouvir, com uma “alma que sabe escutar”, esta canção, que nos fala de sentimentos profundos da alma portuguesa. É este o fado que faz chorar as guitarras… O fadista canta o sofrimento, a saudade de tempos passados, a saudade de um amor perdido, a tragédia, a desgraça, a sina e o destino, a dor, amor e ciúme, a noite, as sombras, os amores, a cidade, as misérias da vida, critica a sociedade… Em contraste com o conteúdo melancólico, o compasso do fado transmite um humor animador e possivelmente este contraste contribui à fascinação do fado. Na segunda metade do século XIX, surge em Lisboa, embalado nas correntes do romantismo, uma melopeia que tanto exprimia a tristeza unânime de um povo e a desilusão deste para com o ambiente instável em que vivia, como abria faróis de esperança sobre o quotidiano das gentes mais desfavorecidas e, mais tarde, penetrava ainda nos salões da aristocracia, tornando-se rapidamente uma expressão musical nacional. A sua origem histórica é incerta e não é uma importação mas antes uma criação que surge de uma mistura cultural que ocorreu em Lisboa. O musicólogo Rui Vieira Nery, considera que a história do fado tem início bem longe de Lisboa mas o investigador Paulo Caldeira mostra mais acuidade com as afirmações ao demonstrar que o fado começou por ser cantado nas chamadas “Casas de Fado” , como Alfama, Castelo, Mouraria, Bairro Alto, Madragoa, e as suas origens boémias e ordinárias, baseadas nas tabernas e bordéis, nos ambientes de orgia e violência dos bairros mais pobres e violentos da capital, tornavam o fado condenável aos olhos da Igreja, que desde cedo tentou impedir a evolução de tal movimento. Porém, é com a penetração da fidalguia nos bairros do castelo, com a presença constante dos cavalheiros e mesmo fidalgos titulares, que o fado se torna presença nos pianos dos salões aristocráticos. Tais nobres que se aventuravam naquele ambiente bairrista foram traduzindo as melodias da guitarra para as pautas das damas de sociedade, que até ali só investiam nas modinhas. Tal investidura levou a que o fado, ao passar da década de 1880, se tornasse assíduo dos salões. As guerras civis da metade do século criaram um clima de insegurança que envolveu as vicissitudes a vida parlamentar e política, despertando na voz popular a adesão maior ao fado e ao regozijo que este lhe trazia. As tabernas, primordialmente, eram palco de encontros de fidalgos, artistas, trabalhadores da hortas, populares e estrangeiros, que se reuniam em noites de fado vadio, ou seja, o fado não profissional. A primeira cantadeira de fado de que se tem conhecimento foi Maria Severa Onofriana que cantava e tocava guitarra nas ruas da Mouraria, especialmente na Rua do Capelão. Era amante do Conde de Vimioso e o romance entre ambos é tema de vários fados. Mas é com início do século XX que nasce Ercília Costa, uma fadista quase esquecida pelas vicissitudes do tempo, que foi a primeira fadista com projecção internacional e a primeira a galgar fronteiras de Portugal. Os temas mais cantados no fado são a saudade, a nostalgia, o ciúme, as pequenas histórias do quotidiano dos bairros típicos e as lides de touros. Eram os temas permitidos pela ditadura de Salazar, que permitia também o fado trágico, de ciúme e paixão resolvidos de forma violenta, com sangue e arrependimento. Letras que falassem de problemas sociais, políticos ou queixados eram reprimidas pela censura. Deste fado “clássico” (?)11 são expoentes mais recentes Carlos Ramos, Alfredo Marceneiro, Maria Amélia Proença, Berta Cardoso, Maria Teresa de Noronha, Hermínia Silva, Fernando Farinha, Fernando Maurício, Lucília do Carmo, Manuel de Almeida, entre outros. O fado moderno (?) iniciou-se e teve o seu apogeu com Amália Rodrigues. Foi ela quem popularizou fados com letras de grandes poetas, como Luís de Camões, José Régio, Pedro Homem de Mello, Alexandre O’Neill, David Mourão-Ferreira, José Carlos Ary dos Santos e outros, no que foi seguida por outros fadistas como João Ferreira-Rosa, Teresa Tarouca, Carlos do Carmo, Beatriz da Conceição, Maria da Fé, Mísia. Também João Braga tem o seu nome na história da renovação do fado, pela qualidade dos poemas que canta e música, dos autores já citados e de Fernando Pessoa, António Botto, Affonso Lopes Vieira, Sophia de Mello Breyner Andresen, Miguel Torga ou Manuel Alegre, e por ter sido o mentor de uma nova geração de fadistas. Acompanhando a preocupação com as letras, foram introduzidas novas formas de acompanhamento e músicas de grandes compositores: com Amália é justo destacar Alain Oulman(um papel determinante na modernização do suporte musical do fado), mas também Frederico de Freitas, Frederico Valério, José Fontes Rocha, Alberto Janes,Carlos Gonçalves. Nascido em Lisboa o fado tornou-se rapidamente numa canção nacional que é hoje conhecido mundialmente pode ser (e é muitas vezes) acompanhado por violino, violoncelo e até por orquestra, mas não dispensa a sonoridade da guitarra portuguesa, de que houve e ainda há excelentes executantes, como Armandinho, José Nunes, Jaime Santos, Raul Nery, José Fontes Rocha, Carlos Gonçalves, Pedro Caldeira Cabral, José Luís Nobre Costa, Ricardo Parreira, Paulo Parreira ou Ricardo Rocha. Também a viola é indispensável na música fadista e há nomes incontornáveis, como Alfredo Mendes, Martinho d’Assunção, Júlio Gomes, José Inácio, Francisco Perez Andión, o Paquito, Jaime Santos Jr., Carlos Manuel Proença. Obrigatório é mencionar um virtuoso da guitarra clássica que se especializou em viola de Fado, Artur Caldeira, e o expoente máximo da “escola antiga”, o viola-baixo de Fado, Joel Pina, o “Professor”. Actualmente, muitos jovens – Dulce Pontes, Cuca Roseta, Marco Rodrigues, Ana Moura, Carminho, Rodrigo Costa Felix,Raquel Tavares, Helder Moutinho, Maria Ana Bobone, Mariza, Yolanda Soares,Joana Amendoeira, Mafalda Arnauth, Miguel Capucho, Ana Sofia Varela, Marco Oliveira, Katia Guerreiro, Luísa Rocha,Camané, Aldina Duarte, Gonçalo Salgueiro, Diamantina Rodrigues, Ricardo Ribeiro, Cristina Branco , António Zambujo – juntaram o seu nome aos dos consagrados ainda vivos e estão dando um fôlego incrível a esta canção urbana. O fado dito “típico” é hoje em dia cantado principalmente (?)11 para turistas, nas “casas de fado” e com o acompanhamento tradicional. As mais tradicionais casas de fado encontram-se nos bairros típicos de Alfama, Mouraria, Bairro Alto e Madragoa. Mantém as características dos primórdios: o cantar com tristeza e com sentimento mágoas passadas e presentes. Mas também pode contar uma história divertida com ironia ou proporcionar um despique entre dois cantadores, muitas vezes improvisando os versos – então, é a desgarrada.Em parte do século XX vive-se em plena censura no regime Salazarista, e uma licença era exigida aos fadistas e instrumentistas e as letras e os poemas eram sujeitos a uma censura rigorosa.O século XX é a época de ouro do fado, este é projectado para o grande público, o fadista deixa de se limitar às tabernas e vielas e surge nos palcos do teatro, no cinema, na rádio e em discos, saltando para o teatro de Revista. Aparece-nos as chamadas Casa de fados e o fadista passa a ser considerado artista profissional, com estilo próprio e boa aparência, trajado de negro como a escuridão da noite silenciosa. Este novo meio é propício ao aparecimento de letristas, compositores e intérpretes.12 Na primeira metade do século XX aparece-nos Ercília Costa a primeira fadista portuguesa de projecção internacional apelidada de “Sereia peregrina do Fado”, “Santa do Fado” e “Toutinegra do Fado”. Empurrado para as luzes da ribalta pelo cinema, rádio e mais tarde televisão, o Fado, era adorado por todos, não havendo quase português que não o ouvisse. Ainda há pouco cantado nas tabernas e nos pátios dos bairros populares, como Alfama, Castelo, Mouraria, Bairro Alto, Madragoa, torna-se a alma portuguesa.É neste século na década de 50 que surge Amália Rodrigues, conhecida nacional e internacionalmente como a maior fadista de todos os tempos e pioneira do fado moderno. Após um longo período de investigação e estudos, já no início do século XXI o fado é inscrito na lista do património cultural da humanidade (27 de Novembro de 2011): “O património cultural imaterial, transmitido de geração em geração, é permanentemente recriado pelas comunidades e grupos em função do seu meio, da sua interacção com a natureza e a sua história, proporcionando-lhes um sentimento de identidade e de continuidade, contribuindo assim para promover o respeito pela diversidade cultural e a criatividade humana” (Convenção para a Salvaguarda do Património Imaterial da Humanidade, UNESCO, 2003). Apresentada pela Câmara Municipal de Lisboa, através da EGEAC / Museu do Fado, no mês de junho de 2010, a candidatura do Fado foi distinguida num grupo restrito de 7 candidaturas consideradas “exemplares” pela UNESCO, do ponto de vista da sua concepção, preparação, apresentação e argumentação. O turismo segue de mãos dadas com o fado. Lisboa fica valorizada.